sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Controle de estímulos diante de moradores em situação de rua.

Em varias abordagens tive a oportunidade de conversar com vários munícipes, comerciantes e solicitantes cada um com um "tipo de visão" a respeito de moradores de rua, como p.e vagabundas, sujas, loucas, perigosas, coitadas e etc. a presença de um morador de rua evoca diferentes comportamentos em indivíduos diferentes. A diferença está no estímulo? A diferença está no órgão do sentido (visão)? Como você "vê" um morador de rua?

Em São Paulo há por volta de 15 mil pessoas em situação de rua, interagimos constantemente com estas pessoas em qualquer passeio ou ao sair de casa.
Habituados com sua presença ocorre uma dessensibilização em relação a condição (sub) humanas dessas pessoas. Que se tornam estímulos discriminativos para vários comportamentos p.e ignorar, xingar, dar esmola, atear fogo e vários outros chegando ao mais extremo de matar moradores de rua.

O nosso modo de conceituar moradores de rua como vagabundas, perigosas, sujas, coitadas... Não é simplesmente por que está em nossa frente, o que vemos não é visto simplesmente porque está presente, mas por causa de nos historia de interação com o mundo.

O mundo não nos é dado, tudo é construído através de nossas experiências.

O comportamento humano é determinado por três níveis de variação e seleção: a filogênese, a ontogênese e a cultura. Os três níveis de seleção por conseqüências interagem continuamente entre si. Neste sentido, "só poderemos entender realmente o comportamento humano se considerarmos a ação conjunta de três histórias: a história da espécie, do indivíduo e da cultura” (Andery, Micheletto & Sério, 2007, p. 41).

Coitados:

"Discurso religioso". Nossa cultura por possuir raízes cristã trazendo em si a "idéia" de caridade conceitua estas pessoas como coitados, moradores de rua aqui são estímulos discriminativos para sentir pena, piedade.

Vagabundas:

O trabalho traz ao individuo dignidade pessoal, o trabalho gera vários reforçadores, em nossa cultura o homem desde pequeno é ensinado que deverá prover através do trabalho a existência física dele e de sua família.

Mesmo com a produção de trabalho informal P.e vender água, reciclagem, vender bala, limpeza de vidros de veículos nos faróis e etc., é sob a ótica do trabalho freqüentemente consideradas como improdutivas, inúteis, preguiçosas e vagabundas. Com esta perspectiva todos sem exceção possuem as mesmas oportunidades para aquisição de emprego seguindo o discurso "só não tem emprego quem não quer".

A culpa de falta de trabalho recai contra estas pessoas.

Este discurso de culpabilização é visto até com outras pessoas em situação de rua, P.e o morador de rua X alega não ser vagabundo, pois faz reciclagem, e que nos albergues apenas tem vagabundos pensando apenas em comer e dormir.

Já conheci em varias abordagens vários profissionais em situação de rua tais como: cirurgião, engenheiro, advogado, chefe de cozinha, filósofo e etc. então não é apenas a variável desemprego que controla o comportamento de ficar na rua.

Louca:

Temos também o discurso psiquiátrico que classificam pessoas em situação de rua como "doentes mentais" "loucas" e "desviantes sociais".
Moradores de rua fogem do padrão de "normalidade" em decorrência daquilo que é socialmente aceito P.e ter uma residência, trabalhar... Não ter residência, não trabalhar é considerado fora do "normal".

Já conversei com munícipes que relatavam o seguinte a respeito do morador de rua X:
-"Ele não é normal, mora na rua, ingere comida do lixo, não toma banho".
Vamos analisar a situação, X está em situação de rua, já passou pela experiência de fome e conseguiu comida no lixo. Neste contexto o lixo torna-se estimulo discriminativo para procurar comida que por sua vez é reforçado por encontrar comida, em outra ocasião que X estiver com fome será mais provável que X na presença do lixo procure comida. X não possui residência não aceita ir para albergues estar sem banho não é mais SD para tomar banho. O comportamento é o produto da relação entre organismo e seu meio.

Suja:

"Você veio recolher ele?"

Esta é uma das frases que freqüentemente é ouvida, frases higienistas " está estragando a frente do meu comercio" "tirem este porco daqui"

Perigosas:

"não é perigoso?"

Esta pergunta também é freqüente quando relato sobre minha profissão.
A mídia também propaga este conceito, vários filmes mostram o morador de rua como um ser criminoso, outras pessoas relatam que trata de individuo que não tem nada a perder.

Morador de rua não elicia medo por si só.




Conversando com amigos que crêem que moradores de rua são pessoas perigosas, que trazem algum tipo de ameaça, encontramos semelhança nas historias de vida.
Na infância lembram que as mães ameaçavam com o discurso que o homem_do_saco iria levá-los em caso de desobediência, e na presença de um morador de rua reforçava a ameaça dizendo: " se desobedecer aquele homem do saco ira levá-lo".


Conta a história que, caso a criança saísse de casa sozinha, ou fosse brincar sozinha na frente de sua casa, viria um velho sujo e mal vestido ( estimulo semelhante respostas semelhante), um tipo de mau elemento, com um saco cheio de crianças que ele havia pego no caminho. Segundo a lenda, as crianças do saco que o velho carrega, eram crianças que estavam sem nenhum adulto por perto, em frente às suas casas ou brincando na rua. O velho pegaria a criança caso ela saísse sem ninguém de dentro de casa.


Morador de rua estimulo neutro-------------------------------não elicia medo
Morador de rua seguido de ameaça do homem do saco ----- elicia medo
Morador de rua estímulo condicionado----------------------------elicia medo

Este é apenas um dos vários exemplos para responder por que pessoas crêem que pessoas em situação de rua são perigosas, sujas coitadas, loucas, vagabundas e vários outros termos pejorativos.

A razão de respondermos de formas diferentes aos mesmos estímulos esta na historia de condicionamento de cada um de nós.
É fácil de entender por que a gama de antecedentes varia tanto de individuo para individuo e até mesmo individuo em diferentes estágios de seu desenvolvimento. ( exceto regras determinadas socialmente).

A diferença não está no estímulo, a diferença não está no órgão do sentido (visão), a diferença está em nosso modo de comportar de forma diferente na presença de um mesmo estímulo.

Como você se comporta diante de um morador de rua?

Referencias
 
QUEM VOCÊS PENSAM QUE (ELAS) SÃO - REPRESENTAÇÕES SOBRE AS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA.
Sério, A.P., Andery, M.A., Gióia, P.S. e Micheletto, N. (2002). Controle de estímulos e comportamento operante: uma nova introdução. São Paulo: Editora Educ.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Coerção (parte 1)

Olá pessoal este é meu segundo post, hoje vou relatar uma caso que estou acompanhando espero que seja agradável.
N, 37 anos, sexo feminino, 2 anos em situação de rua.
N se fixou por volta de 3 semanas na frente de uma editora onde os funcionários desejam que N deixe o local, são efetuadas varias solicitações para tentativas de encaminhamento.


parte externa



parte interna

Ultimamente N estava deixando seus pertences na parte interna da editora, passando por debaixo do portão (fotos).
Conversamos com funcionário M este relatou que iria esconder os pertences de N para tentar coagi-la sair do local dessa forma já havia tentado por ameaças de acionar a policia mas sem sucesso N diante da ameaça retrucou com as seguintes palavras "pode chamar".

Analisando o inicio desse caso percebemos que algo reforça o comportamento de N de permanecer no local (isto será discutido na segunda parte desse post).
O funcionário M demonstra variabilidade na topografia do comportamento de tentar tirar N do local, faz solicitações, ameaças de acionar a policia e chegando a relatar que vai esconder os pertences de N.
Nestes esquemas vemos porque N continua deixando seus pertences na parte interna da editora, e o que ocorrerá se forem escondidos.

se os objetos forem escondidos ela deixa de fazer algo, neste caso o estimulo discriminativo foi retirado guardar os objetos debaixo do portão não é mais reforçador e entra em extinção.

agora diante do portão e encontrar espaço vazio este contexto se torna estimulo discriminativo para o comportamento de procurar os objetos, que será reforçado por ter informações de onde estão os objetos.


agradecimentos pela contribuição: Alessandro_Vieira.

Na segunda parte desse post veremos o que ocorrerá, descobriremos o que reforça N permanecer no local.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Esquiva governada por regras

Hoje conversando com um morador em situação de rua, observei um comportamento de esquiva governado por regras.

 
 

P, 33 anos, sexo masculino, relatou nunca ter freqüentado albergues e que não gosta desse tipo de espaço de convivência, preferindo permanecer na rua. Ao ser questionado porque não gosta de albergues informou que outros moradores de rua descreveram como o albergue é:

 
 

  • Tem que dormir junto com os pertences para não serem furtados.
  • Ocorrências freqüentes de homicídios.
  • Seis horas da manha deve acordar.

     
     

    Para P (e muitas pessoas), ser roubado ou ter a vida em risco é aversivo, P aprendeu por meio de regras, em vez de esperar por conseqüências.

     
     

    Esquiva é geralmente um ajustamento mais adaptativo a punição do que a fuga.

     
     

    Esquiva impede que um evento indesejado ocorra.

     
     

    P deixou claro que o serviço social do albergue poderia ajudá-lo em sua situação encaminhando para entrevista de emprego, ainda assim não aceita ter uma experiência de como o albergue é, mesmo que isso signifique abdicar de reforçadores positivos.

     
     

    A ameaça de ter os pertences roubados e de morte são coercitivas, e controle coercitivo imaginário ou real gera fuga e fuga gera esquiva e a esquiva bem sucedida mantém afastada situações aversivas tornando assim o comportamento de fuga desnecessário.

sábado, 11 de setembro de 2010

Como iniciou meu interesse em abordagem a pessoas em situação de rua.

Meu nome é Darko Hunter, trabalho a 4 anos em atendimento a população em situação de rua de São Paulo, especificamente com pessoas que "portam" algum tipo de transtorno psiquiátrico. Observei bastante os comportamentos de educadores perante essas pessoas, não entendia porque se esquivavam de atender esse grupo em questão (talvez por estranhamento), comecei então atender sem método estabelecido, pois não existia e acredito que ainda não exista, os recursos são escassos ( saúde, social etc. ). Consegui progressos utilizando técnicas de analise experimental do comportamento. Neste espaço postarei alguns desses casos e algumas reflexões.